quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Obra em estado primo



Foi graças a "Um Bom Homem é Difícil de Encontrar", editado em 2006 pela Cavalo de Ferro, que demos de caras com a escrita de Flannery O`Connor, escritora norte-americana que nos deixou com apenas 39 anos. A sua escrita é como que uma sessão de hipnose para frequentar de olhos bem abertos, um retrato do Sul norte-americano como um lugar inóspito, submerso no racismo, despojado de humanidade e detentor de segredos cruéis.

Em "Tudo o que sobe deve convergir", livro que terminámos há dias, viajámos com o corpo atravessado por tremores através de nove pérolas: "Tudo o que sobe deve convergir" - a curta distância entre o amor e o ódio, o sabor da culpa e o gosto amargo da dor -, "Greenleaf" - a recusa da evolução da espécie -, "A vista dos bosques" - o sangue vem sempre em primeiro lugar -, "O calafrio permanente - a maldade do Espírito Santo -, "Os confortos do lar" - uma consciência aprisionada-, "Os coxos hão-de entrar primeiro" - uma sátira sociológica na senda do Bom Selvagem -, "Revelação" - uma sala de consultório que se transforma num espelho da alma -, "As costas de Parker" - triste retrato de uma criança tatuada - e "Juízo final" - a recta final de um rural inadaptado.

Violentamente poético, grotescamente belo, "Tudo o que sobre deve convergir" é um retrato em carne viva da virtuosidade de Flannery que, em poucas páginas, nos transporta para outra dimensão deixando para trás o estômago num turbilhão de emoções. Uma obra em estado primo a que o Fusco oferece 9.5 balões em 10.

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